KC Frost e o antirracismo: “Nós seremos sua voz”

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KC Frost, em uma das equipes que defendeu no Brasil - o Pouso Alegre Gladiadores Foto: Cristian Lima

Bicampeão brasileiro invicto pelo Corinthians Steamrollers (2011-12) e vice-campeão pelo Flamengo Imperadores (2016), KC Frost foi o americano que atuou no futebol americano nacional e obteve maior destaque, além de abrir as portas do FABR para que, hoje, praticamente todos os times da BFA contem com pelo menos um americano.

Seu envolvimento com o Brasil foi muito além de apenas jogar futebol americano. Hoje, com um português quase impecável, ele é uma das lideranças do movimento “Coalização Negra do FABR”. Com sua experiência multicultural e do país em que a luta contra o racismo é extremamente marcante, ele pondera pontos entre as histórias dos dois países, tanto entre as sidelines quanto na vida cotidiana.

A importância de um movimento antirracista no FABR

Para o ex-quarterback alvinegro e rubronegro, que também teve passagens pelo São Paulo Storm, Juiz de Fora Imperadores, Pouso Alegre Gladiadores e Vingadores, a representatividade é muito importante para o combate ao racismo.

Frost traça um paralelo da representatividade de jogadores negros no futebol americano nos EUA e no Brasil: “É justamente essa questão – a da representatividade. Nos EUA, o futebol americano é predominantemente dominado por negros. O esporte acaba sendo uma saída para uma vida melhor e também está atrelado aos estudos. Já no Brasil, o esporte não está atrelado a escolaridade e também é caro, com equipamentos importados e também você tem que custear viagens e tudo mais. Isso acaba barrando muitas pessoas que vem de comunidades. Mas apesar de tudo isso, há sim muitos atletas de destaque negros, que podem servir como exemplo e que podem chamar a atenção da juventude e como o esporte poderia ser usado em programas sociais”.

“Quando falta representatividade, é justamente onde de racismo podem ganhar espaço. Quando você está em minoria, a sua voz acaba sendo ofuscada. Por isso, em situações em que são ofendidas, as pessoas não se sentem equipadas para se defender ou não tem pessoas para que as defendam. Então, é importante esse movimento (Coalizão Negra do FABR) dar essa voz, este apoio, em que ele tem para onde correr. Se eles não sentem que têm uma voz, nós seremos sua voz”, explicou o jogador.

KC também apontou para o caráter comunitário, educativo e multirracial da Coalização: “Outra parte importante desse movimento é que há pessoas que querem ser aliadas, querem ajudar, mas não sabem como, não tem a familiaridade com o assunto. Então, servimos também como recursos para essas pessoas, para que eles também sejam embaixadores, que eles construam essa cultura antirracismo em seus times. Essa luta só pode vir com a desconstrução do espaço racista, que só pode acontecer com o coletivo”.

KC Frost comemora touchdown no Brasil Bowl 2016, quando o Flamengo foi derrotado pelo T-Rex por 36 a 24.
Foto: Chiarini Jr.

“Não basta não ser racista, tem que ser antirracista”

A representatividade também é um paralelo geral entre a luta pelos direitos civis e contra o racismo nos EUA e no Brasil. Enquanto a população negra nos EUA representa cerca de 15% do total, no Brasil chega a 54%, mas com uma representatividade muito menor nos diversos setores da sociedade.

“A luta para os direitos humanos, que são básicos, e é absurdo que ainda temos que lutar por isso, é uma batalha longa. Nos EUA temos agora uma pequena visão do que podemos conseguir, mas é tudo um resultado de anos e anos, décadas de luta. Não é à toa que nossos principais líderes do movimentos para direitos civis foram assassinados, não é coincidência. E no Brasil também, como no caso da Marielle. Isso representa uma ameaça para os poderes estabelecidos”, analisa Frost.

“Mas uma das coisas que vemos nos EUA é que a representatividade é maior do que no Brasil. Os negros podem se espelhar em exemplos nas mais diferentes áreas, seja esportes, entretenimento, política. Eles têm uma plataforma em que eles podem se arriscar. A representatividade no Brasil é bem menor. E muita gente aqui julgam os negros em posição de destaque, porém, eles estão arriscando muito. Esse é um tipo de comportamento que vimos nos EUA na década de 70, 80 e 90. Nessa época, a luta antirracista não era tão pautada, não estava tão em voga”, continua.

Para o americano, a capacidade de organização e o apoio da sociedade em geral aumentou nos protestos atuais, catalizados pelo brutal assassinato do americano George Floyd. “Hoje, as redes sociais estão sendo uma grande arma, uma forma de unir as pessoas e poder fazer algo mais estruturado. Nos EUA, vemos muito a geração Z usando muito as redes sociais para falar sobre protestos, do histórico da luta, como os brancos podem colaborar. Isso está sendo uma grande arma para esta luta que estamos tendo agora. Agora, vemos aqui nos EUA, muitos mais brancos abraçando a causa, pois não basta não ser racista, tem que ser antirracista. Meus pais comentam que na época deles isso não acontecia”, conta.

Apesar do cenário difícil e de muita luta pela frente, Frost é otimista para o cenário de ambos os países: “No Brasil, a pauta ainda está em se há racismo ou não, enquanto aqui a discussão está em como ele se manifesta. Nos EUA, a discussão é como ele está presente na construção de padrões de beleza, na vida profissional, na mídia. Estamos desconstruindo as formas em que o racismo se manifesta. Então, é um passo a passo, claro. (A luta) Está acontecendo e acredito que também no Brasil acontecerá”, conclui.

Saiba mais sobre a Coalização Negra do FABR em nosso Hangout Especial

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